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Bacia Amazônica abriga cerca de 4 mil espécies de peixes das quais 2.700 já foram descritas formalmente, mas apenas 725 podem ser comercializadas.
Elizabeth Menezes
O mercado mundial para os peixes ornamentais de água doce, particularmente da Amazônia, é imenso e pode gerar milhões de dólares em receita para sustentar milhares de famílias que atuam na exploração econômica da atividade na região, bem como gerar um volume expressivo de tributos para os governos estaduais e municipais.
Mas para assegurar a sobrevivência desses peixes, considerados os mais bonitos do mundo, “por serem multicoloridos”, o governo precisa direcionar um olhar diferenciado para o setor, intensificar as pesquisas e implementar de forma imediata políticas de manejo e utilização racional desse recurso.
Os empresários, por exemplo, reclamam não apenas das exigências de órgãos ambientais para a liberação de novas espécies ao mercado, mas também da logística precária para a exportação em relação a outros Estados e países vizinhos.
Já o biólogo Jansen Zuanon (foto acima), pesquisador titular da Coordenação de biodiversidade do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), reconhece que o “mercado é ávido por novidades”, mas destaca que as espécies fora da lista estão proibidas.
Com mestrado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior (pelo Inpa) e doutorado em Ecologia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Jansen explica que o número real de espécies de peixes na bacia amazônica pode chegar a 4 mil e que talvez seja preciso esperar várias décadas para que a fauna de peixes “seja totalmente conhecida”.
O cardinal é um dos mais famosos
Confira a entrevista.
Exportadores de peixes ornamentais reclamam sobre a liberação de mais espécies, para atender ao mercado. Qual sua opinião sobre o assunto?
O mercado de peixes ornamentais é ávido por novidades, mas atualmente a legislação que ordena o setor é baseada em uma lista positiva, ou seja, uma lista das espécies que podem ser exportadas. Em função disso, todas as demais espécies, que não estão na lista, ficam proibidas de serem comercializadas. Teoricamente deveria ser possível inserir e retirar espécies dessa lista, mas não há mecanismos claros sobre como isso pode ser feito, o que dificulta a oferta de novidades e, ao mesmo tempo, concentra a pressão de pesca sobre as mesmas espécies.
Em recente encontro com a presença de empresários, em que foi tratado a questão de criatórios de peixes ornamentais fora do país, o sr. afirmou que nos rios amazônicos existem mais de 2.500 espécies, podendo chegar a 4 mil. Fale mais sobre isso.
A bacia Amazônica abriga mais de 2.700 espécies válidas de peixes, ou seja, espécies que foram descritas formalmente e que têm um nome científico válido. Entretanto, o número de espécies ainda a serem descritas é muito grande e se estima que o número real de espécies de peixes na bacia possa chegar a 4.000 espécies. Há muitas espécies ainda não descritas de pequenas piabas, bodozinhos, corredoras e outros peixes, mas o processo de descrição formal é trabalhoso e relativamente lento. Ainda teremos que esperar algumas décadas até que a fauna de peixes da Amazônia seja completamente conhecida.
O acará-disco é outro bem conhecido
A grande quantidade de espécies de peixes da Amazônia dificulta a criação em cativeiro, como já existe em outros países ou mesmo em outras regiões do Brasil?
Para se criar uma espécie em cativeiro é preciso conhecer detalhes da sua biologia, ou seja, o que come, como se reproduz na natureza, como alimentar os filhotes assim que nascem etc. Como essas características variam bastante entre as espécies, não existe uma "fórmula geral" que funcione para todas elas. Da mesma forma, para que a criação de peixes seja lucrativa, é preciso produzir quantidades grandes de peixes de cada espécie, o que demanda espaço, tempo e dedicação. Ou seja, é quase impossível produzir em cativeiro a enorme diversidade de peixes da Amazônia, e a pesca de peixes ornamentais, se bem manejada, pode ajudar a suprir a demanda mundial por peixes da região.
Fale sobre a sua ideia de se ter uma lista mostrando claramente que tipo de peixe ornamental pode ou não ser exportado, explicar os motivos e dizer claramente o que pode ou não exportar. Essa é uma das reclamações de exportadores amazonenses.
Como mencionei antes, hoje o comércio de peixes ornamentais é baseado em uma lista positiva, ou seja, uma lista de espécies permitidas para captura e comercialização. Atualmente essa lista conta com 725 espécies, em um universo de 2700 espécies válidas. Qualquer espécie que não conste explicitamente na lista é considerada proibida para comercialização, mesmo que não haja nenhum motivo conhecido para isso. Como muitas espécies são parecidas umas com as outras, é comum que haja mistura de espécies nos lotes comercializados e isso tem resultado na apreensão de lotes de peixes, aplicação de multas pesadas, perda de divisas e de mercado. A mudança para uma lista negativa, ou seja, uma lista das espécies proibidas para exportação, reduziria esses problemas e facilitaria o processo de fiscalização, ao mesmo tempo em que possibilitaria a oferta de novidades no mercado de peixes ornamentais. Essa é uma proposta que está em discussão ainda, mas que poderá ajudar a incrementar a cadeia produtiva de peixes ornamentais na Amazônia, que hoje se encontra muito enfraquecida
Existem espécies ameaçadas?
Na Amazônia brasileira há mais de 70 espécies de peixes ameaçadas de extinção e os principais motivos para essa situação são a construção de usinas hidrelétricas e o desmatamento. A sobrepesca tem impactos negativos sobre as populações de diversas espécies, mas não constitui uma ameaça de extinção de peixes na Amazônia.
Qual é a dificuldade de determinar as espécies? Há algum estudo sobre espécies de peixes ainda não catalogados?
Muitas espécies de peixes são parecidas umas com as outras e às vezes elas só podem ser diferenciadas por meio da contagem de escamas, formato dos dentes, proporções corporais etc. Para ter certeza da identidade de uma espécie é preciso analisar diversos exemplares, comparar com exemplares em museus e com dados da literatura, o que exige conhecimento e pode tomar bastante tempo. Nem sempre é possível identificar uma espécie apenas olhando um exemplar vivo em um saco plástico com água, o que dificulta bastante o trabalho dos fiscais, por exemplo.
Como é feito o trabalho para catalogar as espécies? Quais exigências da legislação?
Não há uma legislação para isso, embora haja regras. É preciso fazer uma diagnose da nova espécie, ou seja, mostrar claramente como a nova espécie se diferencia de todas as outras já descritas. Além disso, é preciso depositar exemplares preservados em uma coleção de referência ou museu, e publicar o artigo contendo a descrição da espécie em uma revista científica reconhecida pela comunidade de pesquisadores.
Exportadores defendem que o peixe arraia seja liberado para exportação. Existe mesmo essa proibição e se existe, qual o motivo?
É permitida a exportação de arraias, mas isso só pode ser feito a partir de cotas anuais, ou seja, a quantidade que pode ser exportada é limitada. Arraias são animais de vida longa, baixa fecundidade (produzem poucos filhotes por ano) e demoram a ficar adultas, o que faz com que seja necessário tomar bastante cuidado para que a pesca não afete os estoques naturais.
O senhor poderia citar alguns tipos de peixes da lista de “proibidos” para exportação?
Atualmente não podem ser exportadas as espécies consideradas ameaçadas de extinção, além de outras que são importantes na pesca comercial para alimentação humana. O Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) tem como filosofia de trabalho não permitir que espécies de interesse da pesca comercial sejam exploradas também como peixes ornamentais, pois entende que seriam duas fontes de pressão sobre as mesmas populações. Entretanto, considero que seria possível exportar exemplares jovens dessas espécies a partir de cotas, como é feito com as arraias, de forma a minimizar os riscos de sobrepesca e exploração dos estoques naturais desses peixes.
O Inpa mantém estudo/trabalho sobre identificação de peixes?
Sim. O Inpa tem uma tradição de décadas de estudos sobre a diversidade de peixes da Amazônia, com muitos trabalhos científicos e livros publicados sobre o assunto. O Inpa também mantém uma das maiores coleções de peixes da Amazônia no mundo, com milhares de lotes de peixes preservados para estudos. Todos os anos, muitos pesquisadores vêm ao INPA para estudar esse acervo riquíssimo da biodiversidade amazônica.
É verdade que conhecidos peixes como o cardinal, criados em cativeiro em países estrangeiros, podem ser de cores diversas?
Há criadores de peixes ornamentais que se especializam na seleção e produção de variedades de peixes de diversos tipos, em busca de um mercado exclusivo. Nessa atividade, os criadores selecionam peixes com características diferentes ou mais vistosas, e passam a reproduzi-los de forma seletiva, criando variedades com coloração diferente, nadadeiras maiores ou até mesmo com o formato do corpo modificado. Esse tipo de criação seletiva é feito no Brasil também, principalmente no sudeste do país, onde se concentram os maiores produtores nacionais de peixes ornamentais. Mas ainda há muitas espécies de peixes nativos da Amazônia que nunca foram explorados como peixes ornamentais, o que possibilitaria a oferta de novidades no mercado por muito tempo ainda.