Adeus Museu Nacional.
Alcides Costa
Nunca havia escrito um texto movido por sentimentos como os que me tomam agora. Tristeza, angústia, dor. Profundas. Como que um vazio impreenchível se abriu dentro de mim, ao tomar conhecimento da mais terrível tragédia que abalou o nosso país em toda a sua história, no que concerne ao campo da ciência, da cultura, da educação.
Desde ontem, 2 de setembro de 2018, à noite, chorei várias vezes. Desde que, estupefato, vi no celular aquele terrível pesadelo acontecendo; mas que, infelizmente, não era pesadelo, mas uma realidade, uma duríssima realidade. Jamais pensei em ver aquelas cenas de destruição praticamente total de um dos maiores ícones, talvez o maior, do processo civilizatório brasileiro, o nosso amado Museu Nacional. As lágrimas vieram de imediato junto com esse sentimento de perda profunda e irreparável. A tragédia que não podia acontecer, aconteceu.
Ironicamente, fazia pouco mais de uma hora que eu havia chegado de uma viagem à Europa, muito interessante mas também cansativa, onde visitei vários museus, inclusive o fantástico de História Natural em Londres. Tomei banho e fui descansar um pouco. Ainda envolvido pelas “lembranças culturais” da viagem peguei o celular e acessei o site da Globo para ver as notícias. E a primeira imagem que vi não podia ser mais terrivelmente contraditória com o sentimento que me envolvia naquele momento. O Museu Nacional transformado num inferno de chamas. Tirei a vista, não queria acreditar naquilo; mas a tragédia era real, era verdade, e foi se abatendo sobre mim, me ferindo profundamente, cada vez mais.
De 1959 a 1965 eu estudei no Colégio Pedro II – Internato, em São Cristovão, o Bairro Imperial, como recentemente passou a ser denominado oficialmente pelo poder legislativo municipal do Rio de Janeiro. Essa denominação decorreu do fato de ter sido naquela área, particularmente a Quinta da Boa Vista e arredores, onde se estabeleceu e viveu a família imperial no Brasil. O seu mais importante palácio creio, veio a se tornar a sede do Museu Nacional, que este ano havia completado 200 anos de fundação. O colégio em que eu estudava ficava a cerca de dois quilômetros do Museu, pouco mais, pouco menos. De modo que visitar o Museu, e “viajar” no seu acervo, era algo que eu, na época adolescente, fazia frequentemente. De certa forma, então, esse maravilhoso símbolo do saber, da ciência, da cultura, essa jóia preciosa do nosso processo civilizatório, foi certamente um dos fatores influentes na minha formação, e dele sempre me recordei com carinho, como que agradecido, pelo bem que me fez.
Duas peças maravilhosas de seu acervo me marcaram particularmente, e recorrentemente delas me lembrava: um esplêndido sarcófago de múmia egípcia, ricamente decorado, e o impressionante meteorito de Bendengó, o maior achado no Brasil; uma imensa e algo reluzente pedra negra encontrada próximo a essa cidade baiana, que lhe deu o nome.
Há pouco vi na internet uma foto do meteorito, que resistiu ao incêndio. Era de se supor que resistisse mesmo, porque se resistiu ao fogo celeste proveniente do tremendo atrito ao atravessar a atmosfera terrestre, porque não resistiria ao fogo proveniente da incúria, do desmazelo, da incompetência, da falta de valores e referências dos homens que governam o Brasil hoje? Que habitam os três poderes e as três esferas da administração pública?
Falta de valores e referências que os impede, chafurdando na sua mediocridade, de ter noção do precioso bem que têm em mãos, patrimônio de todas as gerações de brasileiros, e do qual teriam que cuidar obrigatoriamente com toda a prevenção e segurança que a grandeza e o imenso valor deste bem exige.
Já o belíssimo sarcófago e sua múmia provavelmente foram totalmente destruídos junto com a quase totalidade do acervo. Resistiram milhares de anos mas sucumbiram finalmente ao fogo devastador que varre o Brasil de hoje.
Existem o que chamamos fatalidade, mas não se diga que isso foi uma delas. Como referi, um patrimônio nacional desse quilate, teria que ter todo um aparato de proteção, de caráter antecipatório e preventivo, à altura do seu inestimável valor. Mas para isso há que se ter valores e referências profundamente associados à identidade e ao orgulho nacionais. E isso praticamente se perdeu no Brasil.
Acredito sim que a tragédia do Museu Nacional, da sua morte, é um sinal cósmico transcendental a avisar mais uma vez, e agora de forma terrivelmente trágica, que nós, sociedade brasileira temos que fazer um outro país, um outro Brasil, temos que reinventar, temos que reedificar valores, morais, civilizatórios que, se nunca foram muito fortes em nossa sociedade, parece que agora foram perdidos de vez.
Adeus Museu Nacional, obrigado pelo bem que me fez, e certamente a milhões de brasileiros que hoje choram tua perda para sempre. Eternamente no meu coração e na minha mente.